quarta-feira, 22 de abril de 2009

Justiça erra, volta atrás e manda soltar bancário
O funcionário do Bradesco da cidade de Gurupi Alex Silvestre da Silva Cunha foi solto na sexta-feira (30) após a Justiça de Minaçu confirmar, segundo provou o advogado João Fraga, que se tratava de um erro grave do Poder Judiciário local que culminou com a prisão da pessoa errada, relativo a um processo que apura o delito de falsificação de cheques e outros crimes. O verdadeiro acusado seria Alex Marques Alves de Morais e estaria foragido.  O bancário Alex Silvestre ficou preso em Minaçu por oito dias. Ele foi detido na cidade de Gurupi, no Estado do Tocantins, no último dia 22. Alex é funcionário do Bradesco e atualmente ocupa a função de gerente de pessoa jurídica naquela cidade.  "O Ministério Público (através do promotor Juan Borges de Abreu) não teve a necessária cautela quando fez a investigação. Trata-se de um erro primário que não deveria ser cometido por um promotor, que já está na comarca há mais de três anos. Houve erro também da juíza Dayana Moreira Guimarães ao decretar a prisão", disse o advogado João Fraga à reportagem do Diário do Norte. Alex Silvestre conversou com a reportagem do DN e demonstrava um misto de alegria com tristeza por tudo que sofreu nos últimos dias. Segundo ele, o que foi determinante para que a Justiça aceitasse a tese de que ele seria inocente, cujo azar foi ter o mesmo nome do verdadeiro acusado, foi o fato de no dia em que dois dos acusados estavam em Goiânia para tramar parte das suas ações, ele estava trabalhando em Minaçu. Alex também diz que não conhece nenhuma cidade do Pará, onde o outro Alex esteve para realizar um Registro Tardio de Nascimento de Antônio Filho Barbosa da Silva.  Antônio Filho Barbosa seria o cúmplice de Alex Marques. Com documentos falsos, Antônio mudou de nome e passou a se chamar Antony Barbosa. A partir daí, segundo denunciou o Ministério Público, e também com a participação de Mauro Sérgio Barbosa de Sousa, os acusados abriram conta bancária e passaram a dar golpes em Minaçu. Um cheque da prefeitura foi falsificado, de acordo com o MP.  Antônio Filho ou Antony acabou sendo preso. Ele ficou detido em Minaçu por quase dois anos, segundo informações do advogado João Fraga. O MP então teria sugerido ao acusado que ele entregasse os seus comparsas para ter direito à liberdade e à delação premiada.  O acusado teria dito que um dos seus comparsas se chamava "Alex", conforme conta Fraga. Mas ele não teria informado o sobrenome. Com uma foto de Alex Silvestre, sempre de acordo com o advogado, Antônio disse que se tratava do seu comparsa. O erro do Judiciário teria iniciado exatamente nesse momento. "Como o Antônio queria sair da cadeia, ele confirmaria qualquer informação que lhe fosse apresentada. E foi o que aconteceu. Ele viu a foto mostrada pelo promotor e logo confirmou se tratar do seu comparsa", relatou Fraga.  Hoje Antônio estaria foragido da Justiça. Antônio também informou que os ex-vereadores Lindomar Carvalho e Edvaldo Pereira (Chero) participavam do esquema. Segundo documento do MP, essa informação ainda estaria sob investigação.  Finalmene, segundo Fraga, o Judiciário está à procura de Alex, que teria dado dois cheques (ambos sem fundo) em Goiânia, para que uma advogada apresentasse uma ação de habeas corpus para soltura de Antônio.  João Fraga informa que o próximo passo será ingressar com uma ação de indenização contra o Estado de Goiás, uma vez que o promotor e a juíza não podem ser acionados.   Alex Silvestre aproveitou para agradecer ao que ele considerou como excelente o trabalho do advogado João Fraga, que conseguiu provar a sua inocência no decorrer do processo.  João Carvalho - JOrnal Diário do Norte 23/04/2009

sábado, 11 de abril de 2009

7 (sete) Erros Numa Notícia

 

O Tenente Barrim, que volta e meia está contribuindo com algo interessante para eu divulgar no Diário de um PM, dessa vez flagrou nada menos que 7 erros numa notícia O Globo Online de apenas um parágrafo, assinada pelos do jornalistas Marcelo Dutra e Marcelo Gomes.

Criminosos atacam cabine da PM em Campo Grande Publicada em 16/02/2007 às 10h31m Marcelo Dutra - O Globo e Marcelo Gomes - Extra RIO

O policiamento foi reforçado em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, na manhã desta sexta-feira, devido a ataques de bandidos a uma cabine da polícia e um posto de gasolina. Também ocorreram tentativas de invasão das favelas da Carobinha, no Mendanha, e Vilar Carioca, em Oaíba 1, ambas em Campo Grande. No início da manhã, o clima estava tenso na região. Na ação na Carobinha, dois corpos foram encontrados pela polícia. Bandidos armados em pelo menos cinco carros atacaram a tiros uma cabine da Polícia Militar na esquina das estradas da Posse e do Mendanha, em frente ao West Shopping, na Estrada do Mendanha, na madrugada desta sexta-feira. Os policiais militares do 14º BPM (Bangu) 2estavam fora da cabine, que é blindada 3, fazendo uma ronda pelas imediações. Ninguém ficou ferido. Após atacar a cabine da PM, os criminosos atiraram em direção a um posto de gasolina na Estrada da Posse, que fica a aproximadamente um quilômetro da cabine. Quase que simultaneamente aos ataques, bandidos tentaram invadir as favelas da Carobinha, no Mendanha 4, e Vilar Carioca, em Oaíba 5, ambas em Campo Grande 6. Na manhã desta sexta-feira, policiais militares do Regimento de Polícia Montada (RPMont) 7 encontraram dois corpos no interior da Carobinha.

1 - O bairro se chama INHOAÍBA. 2 - A cabine do West Shopping é do RCECS. 3 - É ruim da cabine ser blindada hein! 4 - A Favela da Carobinha fica na Estrada do Mendanha, bairro Campo Grande. 5 - De novo?!?! 6 - Campo Grande e Inhoaíba são bairros diferentes 7 - Não existe mais RPMont, e sim, RCECS (Regimento de Cavalaria Enyr Cony dos Santos)

1996 - 2007 Todos os direitos reservados a Infoglobo S/A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização.

E corrigido, pode?????

O link da matéria enviada pelo Tenente Barrim já está quebrado e parece não estar mais disponível no site. Mas ela foi baseada nessa outra notícia dada quatro horas antes, que já continha alguns dos erros mostrados.

Recordar é viver: Infoglobo S/A em outro mico, dessa vez falando do Diário de um PM.

 

CASO “BAR BODEGA” – Erro da Policia e da Mídia.

Agosto de 1996. Assaltantes armados entram no Bar Bodega, no Bairro de Moema, local nobre da Zona Sul de São Paulo. Anunciam o assalto que termina com a morte de dois jovens, um rapaz e uma moça, ambos de classe média alta. O caso teve uma enorme repercussão e a sociedade pedia uma reposta urgente da polícia. A resposta veio em 15 dias, quando cinco garotos negros, pobres e moradores da periferia de São Paulo foram enfileirados na parede da delegacia e expostos a um batalhão de jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos como os culpados pelo assalto e duplo homicídio. Não foram permitidas entrevistas com os rapazes. Só falou com os jornalistas, o delegado responsável pelo caso, João Lopes Filho, que informou que eles haviam confessado os crimes. Dias depois, os cinco foram levados até o Bar Bodega, para fazer a reconstituição do crime. Um deles ao sair da viatura da polícia, já no local, disse aos jornalistas que era inocente e se recusou a participar da reconstituição da história, porque garantia que não esteve lá. Foi colocado de volta no carro da polícia e impedido de continuar fazendo sua defesa junto aos repórteres. Ficaram presos três meses até que outro delegado, em outra delegacia, prendeu os verdadeiros assassinos e os cinco foram colocados em liberdade. Livres, puderam então contar que tinha assinado as confissões do assalto e crime porque foram cruelmente e barbaramente espancados e torturados pela Polícia Civil.

 

BAR BODEGA História de uma cobertura criminosa

Por José Paulo Lanyi em 25/3/2008

Bar Bodega – Um crime de imprensa, de Carlos Dorneles, 264 pp., Editora Globo, São Paulo, 2007; R$ 26,00

O jornalista Carlos Dorneles, repórter da TV Globo, escreveu uma obra que considero essencial para a compreensão de como se dá a relação entre veículos, profissionais de mídia e policiais, sob o clamor da sociedade. Bar Bodega – Um Crime de Imprensa(2007, Editora Globo) contém um relato potente o bastante para nos envergonhar a todos. É desses testemunhos que afiançariam, de uma vez por todas, o fracasso da decência na condição humana, não contivesse, também, os germes da inteligência, do espírito de justiça e da bravura que, embora isolados, caracterizam na plenitude algumas poucas personagens da sua narração. Eis um apanhado do que o leitor encontrará no livro.

O crime

Madrugada de 10 de agosto de 1996. Moema, zona sul de São Paulo. Homens armados rendem os funcionários da choperia e anunciam o assalto. Fogem do local minutos depois, deixando para trás o terror, muitas dúvidas e o rastilho de uma série de novos crimes que seriam cometidos em nome da paz e dos bons costumes – tudo sob o patrocínio de um Estado usurpador do direito e de uma mídia acumpliciada pela ofensa aos estatutos legais, como o imperativo do princípio do contraditório, e – mais importante, por inspirar e, em última análise, totalizar– pela indiferença à verdade irrefutável dos fatos.

O duplo assassinato, do dentista José Renato Tahan, de 26 anos, e da estudante de odontologia Adriana Ciola, de 23, a par do constrangimento físico e psicológico sofrido pelas demais vítimas que estavam no lugar, forneceria uma senha para o vale-tudo policial e uma contra-senha para a insensatez desenfreada da mídia. Passes-livres escritos em caracteres dourados, dadas algumas peculiaridades: o crime fora praticado em um bairro nobre, contra pessoas de classe média, em um ambiente freqüentado pela elite paulistana. Havia outro ingrediente: a choperia pertencia a três atores famosos: Luiz Gustavo e os irmãos Tato e Cássio Gabus Mendes.

Mídia algemada ao Estado

A sociedade precisava responder. Não a dos confins da periferia, mas aquela que, esquecida de tudo o mais – como a violência rotineiramente cometida contra aqueles que não lhe dizem respeito –, não poderia agora aceitar nem silenciar sobre o que, em outros extratos sociais, pode até não ser admissível, mas é, na melhor das hipóteses, indigno da sua atenção.

O Estado e a mídia algemaram-se e, sôfregos, puseram-se a caçar os autores, quaisquer que fossem eles e ainda que não o fossem, em vez de investigar (em sua estrita acepção) a autoria do crime. Dias depois, nove suspeitos foram presos e anunciados pela polícia como os responsáveis pelos delitos. Manchetes vulcânicas, comentários vazios e enviesados, histeria dos detentores da verdade policialesca: vários jornalistas cumpriram à risca a parte que lhes coube no que, com o tempo, soube-se ser a perpetração de uma das maiores injustiças (conhecidas) da história do Brasil.

Um raro cumpridor do dever

Deveriam ter seguido o exemplo de um promotor de justiça corajoso e – absurdamente raro – cumpridor dos seus deveres. Eduardo Araújo da Silva examinou, cuidadosamente, os depoimentos dos acusados, que diziam ter confessado sob tortura cometida por policiais civis. Pôs-se, então, a investigar, em paralelo com policiais do Serviço Reservado da PM. Concluiu, então, pela veracidade das denúncias: agentes do Estado medieval haviam, de fato, imposto toda sorte de sevícias a cidadãos inocentes que, intimidados pela dor e pelo abandono, acabariam por inventar uma participação no episódio. O promotor se baseara, entre vários outros elementos, no trabalho técnico do perito criminal Francisco La Regina, responsável pela reconstituição e cuja análise demonstrava que as peças (como os próprios acusados presos) simplesmente não se encaixavam nos fatos.

A mídia omitiu-se e, longe de apurar as queixas, preferiu fazer coro com a fraseologia policial, afiançando a tese discutível de que todo bandido sempre diz que é inocente e que só falou porque apanhou. Ao invés de pressionar pela apuração das denúncias de tortura, maus jornalistas fizeram um cerco de proteção ao delegado responsável pelo inquérito, João Lopes Filho, e atearam fogo à indignação de uma classe média que à justiça preferiu a vingança, fosse contra quem fosse.

"Ação desvairada da mídia"

Tal simplificação não encontraria eco no Poder Judiciário. Com base no relatório do promotor, que pedia a libertação dos presos por falta de provas, o juiz Francisco Galvão Bruno mandaria soltar sete dos nove acusados (dos dois que permaneceram presos, o menor Cléverson Almeida de Sá estava sendo processado por um outro assalto e Marcelo Nunes Fernandes tinha pena por roubo a cumprir): Benedito Dias de Sousa, Jailson Ribeiro dos Anjos, Luciano Francisco Jorge, Marcelo da Silva, Natal Francisco Bento dos Santos, Valmir da Silva e Valmir Vieira Martins recuperaram, enfim, a liberdade. Não é difícil, contudo, imaginar o tamanho e a natureza do impacto pessoal, familiar e social da injustiça na vida de cada um deles, dali em diante.

Em março de 1997, o juiz José Ernesto de Mattos Lourenço condenaria quatro dos seis novos réus. Na sentença, lê-se este trecho, sobre o tratamento dispensado pela mídia aos nove acusados anteriores:

"Seria a imprensa também a provocadora da ação desvairada que vitimou jovens inocentes que injustamente foram presos, sem qualquer interferência, é verdade, quanto aos sofrimentos experimentados? A resposta é sim. Arvorou-se uma parte da imprensa em defensora da sociedade e exerceu uma pressão insuportável e incompatível com o bom senso. De há muito tempo a imprensa afastou-se da função de noticiar o fato e assumiu ares de julgadora, na ânsia desesperada de noticiar escândalos e explorar a miséria humana, sem se dar conta dos seus limites. Passaram a acusar, julgar e penalizar com execração pública. A lição ainda não serviu. Diariamente continuam explorando as notícias na corrida louca da audiência que, na verdade, tem por finalidade o lucro, o dinheiro dos patrocinadores que não têm qualquer escrúpulo em mostrar seus produtos, à custa da degradação..."

A obra de Dorneles é bem escrita, o texto é informal, preciso e elegante. A narrativa é conduzida pelos desencontros da vida de Cléverson, o menor infrator acusado de outros crimes e ponto de partida para a teia sinistra que se formaria com a detenção de outros rapazes que seriam dados como "culpados" pela polícia.

Há uma ressalva, porém, à fórmula da narração. Ainda que amparado pelas decisões da Justiça, pela coincidência e pela consistência dos depoimentos daqueles que foram considerados injustiçados, Dorneles perigosamente abraça os relatos em sua literalidade, contando os fatos (como se deram as torturas, por exemplo) em minúcias, como se o próprio autor houvesse testemunhado tudo, in loco. Trata-se de um risco desnecessário. Sempre haverá a possibilidade de uma incorreção factual, motivada por diversos fatores, como os exageros, as omissões da lembrança, as "travas" e, o que não é de duvidar em tal atmosfera, distorções que busquem aprofundar o abismo já existente entre a vítima e o verdugo, por impulsos de compensação psicológica.

Afora esse parêntese, que pode indicar a necessidade de uma maior dose de prudência ao leitor, Bar Bodega – Um Crime de Imprensa é uma obra fundamental, um lembrete e um alerta para todos os agentes da cobertura policial: os acusados, as vítimas, os familiares, os policiais, os advogados de defesa, os promotores, os juízes, os jornalistas, todos devem tê-la como referência. E, claro, os donos dos veículos, também.

Outros trechos

"A imprensa continuava publicando informações contraditórias, dia após dia. Depois da reconstituição, voltou a afirmar que o assassino do dentista era Valmir da Silva, e não mais Marcelo Nunes Ferreira, o `Marcelo Negão´. Ninguém parecia se importar nem com o fato de que o tão procurado Marcelo Negão, líder do caso Bodega, quando foi encontrado, era branco. E, obviamente, negava ter o apelido de Negão. Se a polícia dizia que era ele, assim era;"

"Uma exceção foi o jornalista Luis Nassif. Em artigos na Folha de S.Pauloou em comentários na Rede Bandeirantes, ele criticou duramente a cobertura jornalística do caso. Ficou falando sozinho;"

[Depois da detenção dos novos acusados]

"A notícia da prisão emudeceu muita gente, além da imprensa. O secretário de Segurança, José Afonso da Silva, não quis fazer comentários. O delegado João Lopes Filho não foi achado. No dia seguinte, disse que reconhecia que os presos de agora eram os verdadeiros assaltantes do Bodega. Mas negou as torturas mais uma vez. `Não sei o que levou aqueles homens a confessar com tanta riqueza de detalhes.´ A líder do movimento `Reage São Paulo´, Albertina Dias Café e Alves, não quis responder perguntas, fez apenas uma rápida declaração: `Ainda estamos cautelosos porque da primeira vez também existiram confissões´. O pai de Adriana, Carlos Ciola, esteve na delegacia para ver os acusados. Na saída, um comentário rápido: `Não sei o que dizer, apenas quero ver os verdadeiros culpados na cadeia´. O caso Bodega desapareceria rapidamente das manchetes. A prisão dos verdadeiros culpados era um atestado revelador demais do tipo de comportamento que a imprensa adota em situações como essa, quando os acusados são pobres, sem assistência jurídica, sem nenhuma possibilidade de defesa."

 

Parte do pronunciamento, na Câmara dos Deputados, sobre "Bar Bodega - Um crime de imprensa",

JOSÉ GENOÍNO (PT-SP).

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, falo aqui sobre um livro-reportagem escrito pelo jornalista Carlos Dorneles, da TV Globo. O título do livro: Bar Bodega — um Crime de Imprensa.  O livro, escrito em ritmo cinematográfico, mostra um episódio que todos nós de São Paulo conhecemos: um bar em Moema foi assaltado, e a polícia, numa aliança com a política e com a mídia, prendeu 7 jovens, um deles de 14 anos de idade. Sob torturas, eles assinaram a confissão de que foram os responsáveis pelo assalto. Sem provas, o juiz os libertou. Caiu o mundo sobre aquele juiz e aquele promotor, e programas de televisão — Fantástico, Jornal Nacional, Aqui, Agora, Ratinho, Hebe Camargo — mostravam a impunidade e a necessidade da pena de morte e da diminuição da idade penal. Dois meses depois,foram encontrados os verdadeiros assassinos do Bar Bodega. Foram mortos uma jovem, um engenheiro e outro freqüentador do bar foi ferido. A prisão dos responsáveis não foi noticiada com destaque.  Esse repórter, 10 anos depois, fez uma pesquisa sobre o que tinha acontecido com os 7 jovens: 5 morreram, suas famílias foram desarticuladas, destruídas pela violência e pela pobreza, e apenas 2 sobreviveram. Eles moravam numa favela em Taboão da Serra.  Eis o que diz aqui um juiz de direito sobre o papel da mídia naquele episódio:  De há muito tempo a imprensa afastou-se da função de noticiar o fato e assumiu ares de julgadora, na ânsia desesperada de noticiar escândalos e explorar a miséria humana, sem se dar conta dos seus limites. Passaram a acusar, julgar e penalizar com execração pública. (...) A imagem das pessoas é a matéria-prima da diversão.  Nessa mesma reportagem, Carlos Dorneles diz a um dos meninos: Mas por que você relutou tanto — 10 anos se passaram — em falar comigo? Porque com a imprensa eu me sinto mais indefeso do que com a Polícia.  Carlos Dorneles conclui o livro dizendo o seguinte: De há muito a fantasia maior, a mentira mais poderosa, o mito mais vulgar é o de que a imprensa só retrata.  Bar Bodega — um crime de imprensa, documentado com a sentença do Juiz e com a acusação do Promotor Público, mostra a manipulação, a precipitação e o julgamento em relação à pobreza, em relação àquele jovem da periferia — uma execração, que levou a 5 dos 7 a desarticularem e morrerem com suas famílias. Portanto, aqui há os dois aspectos: a violência policial e a tortura. E é detalhada com detalhes aqui no livro a manipulação da mídia. E quando vem a verdade, não há destaque.  Esse tema, Sr. Presidente, é importante para se discutir a questão da violência nas regiões mais pobres deste País.  Para discutir o papel da mídia — que faz o espetáculo, com a mesma facilidade que faz, sai — , não interessa a verdade, o que interessa é o espetáculo da criação para transformar numa punição.

.....  19 de Fevereiro de 2008

 

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Delação e escola: o caso da Escola Base

 

“Pode ser que até que se arrependesse de nos ter denunciado; e na verdade, por que denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma coisa?”

Machado de Assis, Conto de Escola.

 

“Cada ato mesquinho nosso faz retroceder de mil passos qualquer esperança que possa restar quanto ao nosso futuro”.

W. Reich

Revista Espaço Acadêmico – nº. 54 – Novembro/2005 – Mensal – ISSN 1519.6186 – Ano V.

 

Por Raymundo de Lima.

Psicanalista, professor do DFE da Universidade Estadual de Maringá (PR); doutorando em educação (FEUSP)

 

Da ficção para a realidade

Na década de 1980, nos EUA, membros de uma família proprietária de uma escola infantil, são acusados de abuso contra uma criança. Além da justiça que joga pesado contra os McMartin, eles sofrem a fúria histérica de sua comunidade. Apoiada nas supostas provas levantadas por uma falsa psicóloga contra os que trabalhavam naquela escola, a promotora manda alguns para cadeia. Inconformado, um advogado vê que se trata de um caso de histeria coletiva insuflado pela imprensa, e, uma década depois, consegue inocentar todos os acusados, mas vidas já tinham sido arruinadas.

Essa história contada no filme “Acusação” (produção de Oliver Stone e direção de Mick Jackon), virou realidade em 1994, na Escola Base, localizada no bairro da Aclimação, em São Paulo.

Tudo começou quando “duas mães de alunos dessa escola queixaram-se na delegacia do bairro do Cambuci de que seus filhos de quatro e cinco anos estavam sendo molestados sexualmente na escola, e talvez, levados numa Kombi para orgias num motel, onde seriam fotografados e filmados”. O delegado “x”, não só acolheu a denúncia como alardeou junto à imprensa antecipando uma condenação dos donos da Escola Base, que só no final do inquérito, dez anos depois – nova coincidência com o caso do filme - foram declarados inocentes.

Tanto na ficção como na realidade, os donos destas escolas sofreram linchamento moral: tiveram que fechar as escolas, os funcionários perderam os empregos, sofreram grave estresse e foram acometidos de doenças como a depressão, fobias, patologias do coração; também receberam inúmeras ameaças por telefonemas anônimos, e isolaram-se da comunidade.

A mídia que espetacularizou a falsa denúncia e, sem nenhuma prova, lançou manchetes reproduzidas como se fosse uma onda espalhada pelo país, terminou estigmatizando os acusados de “monstros da escola”, “escola de horrores”, que a “Kombi era motel na escolinha do sexo”, etc. Um comentarista do extinto programa televisivo Aqui Agora, do SBT, chegou a pedir a pena de morte aos acusados.

Autoposicionada do lado do “bem” e justiça, a imprensa fechou olhos para o linchamento dos acusados, e, mesmo depois de ficar comprovada a inocência dos acusados não veio a público fazer autocrítica e confessar seu erro.

O mesmo acontece na política: comprovada a inocência, não se faz autocrítica da injustiça cometida contra inocentes, uns talvez por vergonha, culpa e medo, outros porque teimam em sustentar uma ‘moral cínica’.  O delegado do caso da Escola Base, poderia ter sido conscientizado ao ver o filme “Acusação”; poderia ter se informado sobre os fenômenos psíquicos das “falsas lembranças” produzidas por crianças em conflito, da “histeria coletiva”, do “transe grupal”, ou poderia tomar outra atitude mais racional – mais razoável – que o pudesse levá-lo ao discernimento sobre a denúncia mentirosa sobre os responsáveis pela Escola, mas preferiu tomar como única “prova” o depoimento vago e fantasioso das crianças e das mães.“Ciente da fragilidade das provas que tinha em mãos, [o delegado] agiu com culpa, nas modalidades de imprudência e imperícia”, disse o juiz Paulo Ribeiro na sentença (JB, 11/12/2004).

Falta de prudência e imperícia é comum acontecer em situações de delação ou de denúncia. A massa ou turba manobrada pela notícia espetacularizada geralmente responde com impulsos irracionais e gritos de “pega ladrão”, “joga pedra na Geni”, “mata”, “esfola”, etc. Nos momento de “onda histérica e coletiva”, de “transe grupal”, há que ter alguns céticos de plantão para sustentar um mínimo de dúvida, serenidade, razoabilidade e disposição para demonstrar a verdade.  Todo investigador – policial, político de CPI ou cientista – exercem o seu ofício dignamente quando o fazem com razoabilidade, prudência e serenidade.

Conforme alerta Chauí “Na presente circunstância brasileira, a impressão geral deixada pela mídia é da mescla de espetáculo e terror, tornando mais difícil do que já era manifestar idéias e opiniões nela e por meio dela” e, por isso mesmo, induz as pessoas a construírem opiniões levianas em vez de não permitir uma atitude de reflexão e análise serena diante do grave momento (Carta Aberta aos Alunos, Folha de S. Paulo). Todos têm lá suas opiniões (doxa) certas ou erradas, disto ou daquilo, mas poucos se esforçam ou tem o compromisso de buscar o conhecimento (episteme). Raros são os que hoje em dia seguem uma ética da sabedoria.    

G. Debord, N. Chomsky, I. Ramonet, o nosso A. Dines, são alguns críticos dessa mídia que se aproveita da liberdade democrática para servir a interesses ocultos, geralmente manipulando as informações e o conhecimento, visando produzir apenas indivíduos dotados de opiniões, não de conhecimento, nem de sabedoria.  

Voltando. Embora os acusados da Escola Base, recentemente, ganhassem os processos junto à justiça (inclusive contra o Estado), as indenizações obtidas por danos psicológicos, morais e materiais não conseguirão reverter o que eles perderam de saúde, de dignidade, de imagem pessoal e profissional limpa perante a sociedade. Não conseguirão reaproximar casais, pais e filhos e amigos, todos afastados pela contaminação do veneno da delação e da acusação vazia. (Obs.: com exceção do jornal Diário Popular, fizeram parte da onda acusatória contra os proprietários e funcionários da Escola Base a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, SBT, TV Globo, Veja, TV Record, Rádio e TV Bandeirantes e IstoÉ. Para pesquisa: acesse na Internet o Google e digite – entre aspas – “escola base”).

O caso da Escola Base passou a ser referência obrigatória de análise e discussão nos cursos sobre Ética do Jornalismo e de Direito, especialmente quanto tratam dos temas “calúnia”, “difamação”,”injúria”, “danos morais”, etc. Seminários e congressos discutem esse caso alertando para a necessária prudência, serenidade e responsabilidade dos profissionais envolvidos em ondas de denúncia e delação. Também a chamada “histeria coletiva”, “transe coletivo”, e as “falsas lembranças” são assuntos pouco estudados nos cursos de Psicologia, Psicopatologia, Psiquiatria, Estudos Sociais, etc. Vale a pena consultar o livro de Alex Ribeiro “O Caso Escola Base - Os Abusos da Imprensa”, publicado pela Editora Ática, em 1995.

Efeitos psíquicos e sociais da delação

O efeito da delação pode ser devastador a nível psicológico, social, moral, político. A vítima da delação, principalmente se for inocente, poderá nunca mais se livrar do sofrimento, da mágoa, às vezes precisará conviver com fobia e pânico e jamais confiará totalmente nas pessoas. A delação tem o poder de sabotar sólidos vínculos de companheirismo e amizades. “A delação produz uma crença clandestina que sapa a confiança das pessoas”, diz o professor de ética da Unicamp, Roberto Romano. No campo político, geralmente a vítima se condena ao auto-isolamento e, dependendo da rigidez superegóica, alguns comentem suicídio como meio ilusório de resgatar a honra. Na Europa e na Ásia, cuja formação moral parece ser mais rigorosa do que nos países latino-americanos, são freqüentes as notícias de suicídios de políticos acusados de corrupção. Em algumas culturas, o suicídio é ainda tido como a única forma de resgate da dignidade perdida na dimensão social. No Japão, as escolas tradicionais incentivam a delação como meio disciplinador dos alunos e professores, além dela ser um importante instrumento de manutenção da rígida hierarquia escolar.

Nesse sistema fechado de regras, qualquer um é “autorizado” para ser delator em nome da tradição moralista, dos valores “certos”, etc. Ser delator é se sentir incluído entre os “dominantes”, mas certamente será odiado entre os “dominados”. 

É preciso também considerar que a delação desencadeia um efeito duplo sobre o delator: por um lado, trata-se de um ato que certamente abala a confiança das pessoas tomadas como alvo e por outro, este mesmo ato pode retornar ao próprio delator, causando-lhe danos psicológicos (culpa, remorso) ou sociais (isolamento, rejeição). Não é sem sentido que, na Bíblia, Judas, arrependido de sua traição para com Jesus, se enforca. E, Silvério dos Reis passou para a nossa história como um infame.

Sobrevivido ao ato infame, o delatado jamais esquece o delator.  Aqueles que se identificaram com a vítima, também. Nas entrevistas que realizamos por ocasião da pesquisa para doutorado, os entrevistados revelaram que “fulana de tal” ficou marcada pelo meio acadêmico como delatora de um colega aos órgãos de repressão do regime militar pós-64. Seu brilhante currículo como professora, diretora e coordenadora de um projeto inovador de ensino de um importante estado da Federação, não pode evitar em seu currículo a nódoa da delação.

A nódoa imprimida pelo dedo-duro gera medo, precaução e desconfiança por todos, inclusive pelo poder que o acolheu. É verdade que a vítima fica marcada, mas o delator também, por ter fraquejado ou gratuitamente entregado o outro. Haverá sempre a desconfiança de que se ele usou de gesto tão infame uma vez, provavelmente, usará outras.

Alguma coisa está funcionando mal no sistema político quando a nação elege – ou aplaude – delatores e traidores como heróis da pátria e arautos da moralidade. Nessas horas, é preciso, sobretudo, desconfiar dos discursos moralistas de última hora da direita e da extrema-direita. A direita sempre foi moralista no discurso, cafajeste no jogo político e suja na vida privada de seus membros. A esquerda sempre se pautou pela ética, igualdade, justiça, solidariedade, etc., mas nem sempre logrou êxito no seu intento. 

É preciso desconfiar das alianças esquizofrênicas dos “princípios” da extrema direita e da extrema esquerda que se unem – tal como representa a faixa de Moebius – visando sabotar os pontos fracos da democracia e tirar proveito da sua crise para enganar o povo com slogans, moralismos e pose de pai autoritário ameaçando o Presidente com uma “surra”. Veja como eles são ridículos quando fazem pose pra galera!

Contra a cultura da delação

Não estamos defendendo a corrupção, nem o caixa 2, nem a ladroagem, mas sim, a atitude prudente  e serena nas horas de crise. Em momentos de crise política, a serenidade é melhor do que se deixar levar pelo descontrole das paixões (a política é uma delas), dizia N. Bobbio. Há que se apurar os fatos para em seguida punir os responsáveis, mas não devemos reforçar a “moral cínica” que pretende fundar uma cultura de denúncia ou uma cultura de delação, incentivada pela mídia, premiada pelo aparelho judiciário, e silenciada pelos intelectuais burgueses que se pensam “a favor do proletariado”. (Parafraseando Saramago, os próprios proletários não se vêem como tal; esse termo nada significa para eles, assim como o termo “utopia”).

Pensando numa escola voltada para a sabedoria – e não apenas voltada para preparar os alunos para o Vestibular, ou dando-lhes conhecimento teórico ou um mínimo de técnica para servir ao mercado – teríamos alunos e cidadãos mais céticos, isto é, melhor preparados para resistir e questionar aquelas aulas cheias de opiniões, slogans, palavras de ordem, pregações, enfim, um discurso que, no fundo, serve apenas para formar cidadãos que trocam uma fé por outra. Aulas abstratas, supostamente críticas, podem ter resultados piores do que aulas supostamente alienadas, porque podem ter o poder despertar no aluno apenas ódio em vez da atitude prudente de pesquisador.

Uma universidade sustentada na verdadeira atitude crítica deveria estar ancorada na dúvida metódica, que, além de ser uma atitude necessária para se fazer ciência deveria também fornecer um estilo de ser plural, porque é preciso primeiramente compreender antes de discutir e debater muito antes de condenar.

 

Bibliografia consultada

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BARBOSA, L. O jeitinho brasileiro... Rio: Campus, 1992.

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ROMANO, R. Delação e boatos, sinais de barbárie [artigo disponível na Internet].

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VIGNOLES, P. A perversidade. Campinas: 1991.

 

 

Entenda o caso da Escola Base

Publicada em 13/11/2006 às 12h11m

O Globo Online

SÃO PAULO - Em março de 1994, vários órgãos da imprensa publicaram uma série reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, todas alunas da Escola Base, localizada no bairro da Aclimação, na capital. Os seis acusados eram os donos da escola Ichshiro Shimada e Maria Aparecida Shimada; os funcionários deles, Maurício e Paula Monteiro de Alvarenga; além de um casal de pais, Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França.

De acordo com as denúncias apresentadas pelos pais, Maurício Alvarenga, que trabalhava como perueiro da escola, levava as crianças, no período de aula, para a casa de Nunes e Mara, onde os abusos eram cometidos e filmados. O delegado Edelcio Lemos, sem verificar a veracidade das denúncias e com base em laudos preliminares, divulgou as informações à imprensa.

A divulgação do caso levou à depredação e saque da escola. Os donos da escola chegaram a ser presos. No entanto, o inquérito policial foi arquivado por falta de provas. Não havia qualquer indício de que a denúncia tivesse fundamento.

Com o arquivamento do inquérito, os donos e funcionários da escola acusados de abusos deram início à batalha jurídica por indenizações. Além da empresa 'Folha da Manhã', outros órgãos de imprensa também foram condenados, além do governo do estado de São Paulo. Outros processos de indenização ainda devem ser julgados.

A última aula da Escola Base

Cobrança de indenização milionária pode forçar a imprensa

a pagar por seus erros num assassinato social

Os sinos dobraram de novo pela Escola Base. Na primeira quinzena de dezembro, o caso voltou ao noticiário quando o juiz Paulo Aliende Ribeiro, da 5ª Vara da Fazenda Pública, condenou o governo do Estado de São Paulo a pagar uma indenização de cem salários mínimos a dois donos da escola, Icushiro Shimada e sua mulher Maria Aparecida, e um colaborador, Maurício de Alvarenga. A indenização cobre apenas os danos morais, devendo ser feita uma perícia para avaliar os prejuízos materiais das vítimas. O advogado Kalil Abdalla disse que vai recorrer e insistir em cobrar do Estado uma indenização de R$ 2,8 milhões para cada um. 

Essa é a parte do Estado. Como fica o erro da imprensa? “Eu acho que a imprensa tem a sua parcela de culpa”, disse Shimada no programa Opinião Nacional da TV Cultura de São Paulo em 12/12. No entanto, seu advogado não quer briga com os meios de comunicação. Mas a advogada Maria Elisa Munhol, que representa o casal Saulo e Mara Nunes, outros denunciados no episódio, já está processando as TVs Globo e SBT e os jornais Folha de S.Paulo, Folha da Tarde e Notícias Populares. Ela quer que esses meios de comunicação paguem R$ 3,2 milhões a cada um dos seus clientes (JB, 11/12). 

Não há notícia, no Brasil, de uma indenização tão alta por danos morais ou materiais. Os juízes preferem arbitrar valores simbólicos que demarcam mas não desestimulam a repetição do erro. “Nos Estados Unidos custa caro indenizar por falsa acusação”, tripudiou a revista Veja ao noticiar (18/12) a indenização paga em acordo extrajudicial pela rede de televisão NBC ao guarda de segurança Richard Jewell, acusado por muitos jornais, rádios e Tvs americanos de ter armado a bomba que explodiu no estádio do Centenário durante a Olimpíada de Atlanta. Jewell foi citado como suspeito pelo FBI e a mídia o tratou como culpado — algumas vezes em longas reportagens onde nem a expressão “segundo fontes do FBI” foi usada como aval da calúnia (O New York Times omitiu de Jewell). O ex-guarda de segurança ameaça processar cada um deles, a menos que, como se antecipou a NBC, façam acordos de indenização. A quantia não foi revelada, mas, como no Brasil quem não sabe inventa, Veja inventou: “... é coisa pra lá de milhão.” 

No país da impunidade, o caso Escola Base é um dos mais eloqüentes da crônica policial desde que Pedro Álvares Cabral largou aqui criminosos degredados de Portugal. Em 28 de março de 1994, duas mães de alunos, Lúcia Eiko Tanoi e Cléa Parente, queixaram-se na delegacia do bairro do Cambuci de que seus filhos de quatro e cinco anos estavam sendo molestados sexualmente na escola e talvez levados numa Kombi para orgias num motel, onde seriam fotografados e filmados. O delegado Edélcio Lemos e a maior parte da mídia encamparam a denúncia como fato provado, mas ao final do inquérito os acusados foram declarados inocentes. Eles sofreram um assassinato social: perderam os empregos, a paz e isolaram-se da comunidade. 

Registre-se que a denúncia das mães  era notícia de primeira página

O pecado original foi da polícia, mas é cristalino que a mídia espetacularizou a denúncia e a seguir assumiu as acusações como verdade provada e fechou os olhos para o linchamento dos acusados. Registre-se que a denúncia das mães era notícia de primeira página. Qualquer pai com filho na escola, em qualquer escola, possivelmente sentiu um frio na espinha ao saber da suspeita de pornografia com crianças. Mas era só notícia, não linchamento. 

Já nos primeiros dias da cobertura deveria ter sido aceso o sinal amarelo diante do desequilíbrio do delegado Edélcio Lemos. Ele assegurava, com convicção de vidente, a culpa dos acusados. Não parecia um investigador, mas uma testemunha ocular. Sua única “prova”, além do depoimento tatibitate das crianças, devidamente pajeadas pelas mães, era um telex do Instituto Médico Legal sugerindo violação sexual de um menino. Mais tarde, o laudo do IML foi dúbio e incapaz de se contrapor à evidência de que o garoto sofria de assaduras crônicas. “Ciente da fragilidade das provas que tinha em mãos, agiu [o delegado] com culpa, nas modalidades de imprudência e imperícia”, disse o juiz Paulo Ribeiro na sentença (JB, 11/12). 

Prudência e perícia se afastaram também do noticiário. “Perua escolar carregava crianças para orgia”, estampou a Folha da Tarde. Notícias Populares, um pasquim indigno da liberdade de imprensa, afirmava: “Kombi era motel na escolinha do sexo”. A orgia das invencionices alterava os hormônios da imprensa de elite. “Escola de horrores”, sentenciou a revista Veja. A cobertura escrachada não preservou ninguém, nem mesmo as crianças, reconhecíveis pela identificação dos pais e atazanadas em noticiários da TV. Em pleno jornal do meio-dia, emissoras pediam a um menino de quatro anos que contasse detalhes escabrosos do suposto molestamento sexual. “A tia passou a mão em você?”, sugeria a repórter da Globo à criança inocente que brincava com o microfone. A TV Cultura educava seus telespectadores com um jornalismo espúrio, conforme o diálogo do repórter com um garotinho, reproduzido pelo jornalista Alex Ribeiro no livro Caso Escola Base - Os abusos da imprensa: 

“— Esta mulher, ela deitava em cima de você? 

—Deitava.  —O que ela fazia, o que ela queria? 

Diante da relutância do garoto, o jornalista sugeriu a resposta: — Te beijar a boca?  O garoto respondeu com um aceno de cabeça...”

Os erros da polícia e da mídia na Escola Base nada tiveram de originais. Apenas reiteraram a versão reforçada de uma sucessão de disparates profissionais, truculência, prepotência, desrespeito aos direitos humanos a que estão acostumados a polícia e a imprensa. E tome autocrítica: nunca a imprensa se penitenciou tanto de um erro, mas o fez genericamente. 

 Se um erro grave foi cometido numa reportagem, deve ser feita uma reportagem grave sobre o erro. Ninguém fez isso

A autocrítica no jornalismo só é aceitável com jornalismo: cabe ao meio de comunicação reconhecer que errou (mentiu? inventou?) ao noticiar determinada fantasia ou barbaridade. Se um erro grave foi cometido numa reportagem, deve ser feita uma reportagem grave sobre o erro. Ninguém fez isso. A autocrítica genérica, ao debitar a trapalhada na costa larga “da imprensa”, serve para que tudo continue como sempre foi: erra-se e pede-se desculpa para ter direito a outro erro.  A principal causa da tragédia foi o barbarismo policial e a conivência da mídia com esse barbarismo. Uma é o espelho canibal da outra. A polícia não investiga, condena e divulga. A imprensa divulga, condena e não investiga. Ao final, as vítimas se amontoam na próprio infortúnio, a polícia nunca é responsabilizada e a imprensa se defende com a alegação invariável que apenas publicou o que lhe disseram.  Desde o número 1 deste boletim, lançado em março de 1995, a autocrítica da mídia no Caso Escola Base tem sido tratada como lágrimas de crocodilo:  “O que a imprensa aprendeu com o caso da Escola Base — aquele em que, escudada num delegado afoito, crucificou, achincalhou inocentes e depois fez uma fugaz autocrítica ? Aparentemente, nada. O efeito Escola Base é nulo, por que é o método de trabalho das redações que forja esses casos, e de pouco adianta a má consciência posterior dos jornalistas. Como não mudaram os métodos, os escândalos com a reputação alheia continuam. Uma autocrítica profícua produziria mudanças na aceitação — às vezes, provocação — das levianas deduções da polícia. A imprensa joga fichas viciadas na roleta das investigações policiais, e ganha notícias que um questionamento mínimo deixaria inéditas. A imprensa não duvida da suposta eficiência com que, uma hora depois do crime, delegados saciam repórteres com teorias de Sherlock Holmes. Qualquer barbaridade é publicada com o habeas corpus ‘ Segundo a polícia...’ ”.  A autocrítica foi tão inócua que dentro do Caso Escola Base a imprensa logo se esqueceu do erro e forjou outro — e desta vez dispensou a ajuda da polícia e mentiu sozinha. O delegado Lemos já estava afastado e em seu lugar assumira Jorge Carrasco quando, em abril, foi preso o americano Richard Pedicini, sob a suspeita de ceder o casarão em que morava, no bairro da Aclimação, para as “orgias” com as crianças. Levadas para reconhecer camas redondas e espelhos no teto, as crianças não reconheceram nada. Os policiais concordaram em que não houvera a identificação do local e despistaram os repórteres.  No dia seguinte, abastecidos em off-de-record pelo advogado das mães, Artur Proppmair, alguns jornais detonaram os torpedos habituais: “Alunos da Escola Base reconhecem a casa do americano”, disse o Estadão; “Criança liga americano a abuso de escola”, disse a Folha. Note-se que em plena temporada de autocrítica a recidiva foi tão grave quanto a epidemia original. “No dia seguinte, até os delegados estavam indignados com aquela história”, escreveu o jornalista Alex Ribeiro.

Boletim 12, Novembro-Dezembro de 1996  © Instituto Gutenberg

"Monstros" da Escola Base

Elaborado em 03.2000.

Marcos Antonio Cardoso de Souza

advogado em Teresina (PI), pós-graduado em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco

Propõe-se, no presente artigo, mais do que uma simples análise do "caso Escola Base", uma reflexão sobre as implicações e ensinamentos, que devem ser assimilados por parte da imprensa nacional, em face do incidente em tela. O transcorrer dos fatos relacionados às investigações sobre as denúncias de abusos sexuais cometidos contra crianças da referida escola revela o incontestável poder da mídia e a enorme responsabilidade da mesma sobre os dados noticiados.


Há de se fazer, a princípio, ressalvas à condução do inquérito policial. Não se pode presumir a autoria de um crime, ou a sua prática. Faz-se estritamente necessário apresentar os indícios e as provas, os quais conduzem às conclusões sobre o caso. O inquérito policial tem absoluto caráter de investigação, não de condenação. A Constituição Federal, diploma máximo do ordenamento jurídico, preceitua que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória" (art. 5º, LVII). Assim, somente com a manifestação do Judiciário, da qual não caiba mais qualquer recurso, o indivíduo poderá ser considerado como autor de um crime. Os direitos dos indiciados sofreram nítidas lesões.

Quanto às acusações que recaíram sobre os proprietários da Escola Base, não se demonstrava prudente propagar, muito menos a nível nacional, afirmações dos pais de alunos; as quais, no momento, não apresentavam qualquer respaldo probatório. Até mesmo porque, no processo criminal, quando subsistem dúvidas acerca da titularidade do delito, ou sobre a prática da conduta típica, torna-se imperativa a absolvição do réu.

Com o término do inquérito policial do "caso Escola Base", evidenciou-se a insuficiência de instrumentos a comprovar as alegações quanto à prática de crime sexual. Assim, o porteiro da instituição de ensino, Maurício Alvarenga e os proprietários da mesma, Icushiro Shimada e Aparecida Shimara, através de advogado em comum, acionaram o delegado responsável pelo caso e o Estado de São Paulo. Defendeu-se tese de que o delegado era responsável pelo massacre imposto ao seus clientes (Revista Imprensa, nº 145, pg. 30). Como resultado do processo, Edélcio Lemos, a autoridade policial, foi condenado ao pagamento de indenizações para os autores da demanda. Em razão de o Estado de São Paulo possuir o dever de zelar pela prestação dos serviços públicos (responsabilidade objetiva dos entes estatais), condenado-se também, o mesmo, ao pagamento de R$100.000,00 para cada um dos acima citados, como forma de ressarcir os danos morais e materiais verificados.

Cumpre frisar que nem todos os meios de comunicação veicularam as denúncias sobre as supostas moléstias aos impúberes da escola. Isto revela que alguns setores da imprensa já adquiriram consciência de sua influência na sociedade e as conseqüências do poder do qual se reveste a mídia. Não se pretende afirmar com essas assertivas que os veículos divulgadores do caso em questão são irresponsáveis, ou desprovidos de qualquer ética profissional. Incontestável, porém, o equívoco cometido pelos mesmos, fato este que deve servir como alerta, no sentido de se proceder com maior cautela, no momento de se selecionar, não só as notícias a serem divulgadas, como também a abordagem a ser conferida uma questão controversa. As prerrogativas constitucionais e legais, consagradas aos particulares, são de observância imperativa.


Intenta-se focalizar o presente texto no comportamento da mídia. Diante de uma situação não comprovada, promoveu a execração pública das pessoas envolvidas. O efeito imediato da publicação da matéria em análise consistiu no saque e depredação do prédio da escola. Dificilmente, alguém que acompanhasse a cobertura da imprensa restaria imune ao desejo de adotar alguma medida contrária aos pretensos culpados. A sociedade, com base nas informações difundidas na imprensa, julgou-os antes da devida apreciação do caso pelo Judiciário.

As seqüelas emocionais nos acusados, com certeza, são insanáveis. Constata-se serem os mesmos as verdadeiras vítimas de toda esta celeuma propagada nos veículos de comunicação de todo o País. A Lei Máxima assegura que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Utilizando-se desta garantia legal, a advogada do casal Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França, suspeitos de participação nas orgias e abusos sexuais envolvendo crianças, propôs ação em razão da conduta da Rede Globo de Televisão e da Folha da Manhã, quanto ao caso.

Dessa forma, encontra-se na esfera dos órgãos jurisprudenciais a exposição difamatória imposta aos acusados, a fim de que os verdadeiros culpados respondam, nos termos da legislação da legislação pátria vigente, pelos danos causados aos "Monstros da Escola Base".

 

Definida indenização para os donos da Escola Base

Extraído de: Expresso da Notícia -  19 de Novembro de 2002

 

Duzentos e cinqüenta mil reais. Essa é a quantia que a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou para cada um dos proprietários da Escola de Educação Infantil Base, depredada pela população e fechada após a divulgação pela imprensa da falsa acusação de que crianças lá matriculadas eram alvo de abusos sexuais. A decisão foi por maioria. A Turma derrubou, ainda, a limitação em R$ 10 mil determinada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) como valor que a Fazenda estadual possa ser ressarcida do que for pago a Icushiro Shimada, Maria Aparecida Shimada e Maurício Monteiro de Alvarenga.

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O julgamento estava interrompido pelo pedido de vista do ministro Franciulli Netto, após a relatora, ministra Eliana Calmon, votar condenando o delegado Edélcio Lemos a ressarcir os cofres públicos daquilo que for pago de indenização aos proprietários da Escola. Para ela, não foi a veiculação do assunto pela imprensa e sim a conduta "irresponsável" do delegado, mediante "acusações levianas", que levou os proprietários a serem repudiados e quase linchados pela população, perdendo não só a honra, mas o estabelecimento de ensino. Nesse ponto, a decisão do STJ foi unânime.

A ação de indenização se deu porque em 29 de março de 1994 o delegado que conduzia as investigações deu entrevista à Rede Globo de Televisão afirmando "com todas as letras" que houvera violência sexual contra os estudantes da Escola. Para Eliana Calmon, a segurança transmitida pelo delegado, ao narrar com suas próprias palavras o que apurava, deu à imprensa o respaldo necessário à divulgação. Somente no dia seguinte os demais jornais divulgaram o fato, baseados nas palavras do delegado, que afirmou estar provada a materialidade do crime de violência sexual, faltando apurar apenas a autoria, muito embora tivesse dito que pediria a prisão preventiva dos autores, nos termos da prova documental.

Na primeira instância do Judiciário paulista, a indenização por danos morais fixada foi de 100 salários mínimos para cada um dos ofendidos. Na apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) condenou a Fazenda de São Paulo a indenizar os donos e diretores da Escola Base em R$ 100 mil por dano moral para cada um dos autores, com juros e correção monetária, desde o início do processo, e determinou que o valor a ser pago por danos materiais seja calculado na fase da execução da sentença, mediante perícia, que incluirá lucros cessantes e os prejuízos com a destruição da escola, que funcionava em prédio alugado. O TJ decidiu, também, que o delegado Edélcio Lemos, que presidiu o inquérito policial, pague indenização limitada por danos morais e materiais a R$ 10 mil, com juros e correção monetária.

Tanto a Fazenda de São Paulo como os proprietários da escola recorreram ao STJ discutindo o valor da indenização. Ao recurso da Fazenda estadual, a Segunda Turma do STJ deu parcial provimento, afastando o limite de R$ 10 mil para que o delegado devolva aos cofres públicos o que for pago de indenização.

Quanto à alegação de Icushiro Shimada, Maria Aparecida Shimada e Maurício Monteiro de Alvarenga de que "o valor determinado como dano moral foi simbólico" e defendendo a necessidade de reformar a decisão do TJ, tendo em vista que a questão teve grande repercussão, nacional e internacional, e que "resultou em verdadeiro linchamento moral, que por pouco não se transformou em verdadeiro e real", a Turma ficou dividida. Eliana Calmon manteve a decisão do TJ, mesmo entendendo que o que eles sofreram é irrecuperável. Franciulli Netto, contudo, concluiu que "a quantia proposta (de R$ 100 mil) não é idônea a trazer qualquer alegria aos autores capaz de fazê-los superar o evento lastimável, que não apenas abalou, mas destruiu sua reputação e seu equilíbrio emocional".

Em seu voto-vista, Franciulli Netto descreveu as conseqüências a cada um dos acusados injustamente de abuso sexual a crianças e destacou que não há ninguém neste país que, contemporâneo aos fatos, não se lembre do verdadeiro linchamento moral e abusos a que foram submetidos os autores, que tiveram suaescola fechada, depredada, e jamais poderão exercer atividade semelhante. "É certo que o dano moral não pode significar um enriquecimento do credor. Menos não é verdade, contudo, que, como registrou o próprio Tribunal de origem, não deve a indenização por danos morais ser meramente simbólica, mas efetiva e proporcional à condição da vítima, do autor do dano e da gravidade do caso", afirmou, propondo o valor de R$ 250 mil.

O fato de, eventualmente, o servidor que causou o dano -o delegado Edélcio Lemos -não ter condições de arcar com o valor integral da indenização pouco importa para a solução da polêmica, acredita o ministro, pois em casos em que se faz presente a responsabilidade do Estado, a indenização deverá ser calculada combase na sua capacidade e não na do agente público causador do dano.

Os ministros Laurita Vaz e Paulo Medina acompanharam o entendimento de Franciulli Netto. Apenas Peçanha Martins seguiu o voto da ministra Eliana Calmon. Assim, por três votos a dois, a Fazenda de São Paulo terá que indenizar cada um dos proprietários da Escola Base em R$ 250 mil, ao invés dos R$ 100 mil determinados pelo tribunal paulista.